terça-feira, 11 de março de 2008

Crença


O Artista

- Não senhor! Não é um ser predestinado, iluminado, quiçá abençoado! Não é de fato um ser acima de quaisquer esferas imaginárias. Como costumeiramente atribuem ao artista o papel de representante de algo do “divino”, se, assim o fosse, esta seria uma prova contundente da existência de um “excelso” que cria “eleitos”, portanto, um injusto!
Falando-se com muita simplicidade - e quase que em uma total abrangência -, o artista é um ser necessário, que tira ou põe véus, produto parido também das necessidades de outrem.
Visão romântica (estropiada): Ó belo e inspiradíssimo artista! Tu és a personificação dos estados da alma, das transcendências mais inatingíveis, não és o “homem comum”! – CONVERSA FIADA! Só com boas intenções se faz “péssima arte”.
As nádegas literalmente amassadas, os braços exauridos por terem de estar em suspenso postos ao trabalho, a coluna distorcida e a mente fervilhante (herdeira de dores de cabeça inequívocas), esboçam exercícios de arte. O artista é homem real, que transpira (citando Villa Lobos) para produzir sua arte. Portanto, além de condutas que arremetem ao pensamento, a alguma filosofia – se, do belo ou do feio -, o artista, categoricamente não possui “dons divinos”, mas sim, uma capacidade para o exercício de um trabalho, tarefa, que, necessariamente para “ser arte”, carecerá de preencher um quesito que demonstre particularidades.
Particularidades podem estar ligadas ao indivíduo “artista” – seu mundo particular -, ou a um coletivo – via de transferência do “particular” ao meio exterior. Aqui está a questão da singularidade.
Ainda que, nas profundas conjecturas da “idealização” do papel do artista (uma entidade), como um ser à parte da humanidade, tais proposições não fizeram, tampouco fazem algo por tais homens “vestidos de imortalidade”.
As investidas dos “homens comuns” acerca do ideal sobre “o que é um artista”, nada fazem, senão girar em um redemoinho de rodapés inúteis. Assim nascem coletâneas bizarras com encadernações refinadas, prestes a engolirem através de suas “justificativas”, algum interessado “desavisado”.
O artista possui sim, algum estado de observação, de crítica ou autocrítica, mais elaborada do que aquele homem comum que não se dispôs a comunicar-se com um objeto artístico. E, talvez seja a malícia, acrescida de algum estado de inocência que esboce um pouco o franco rabisco intricado do “perfil” de um artista. Não há bulas, tampouco dogmas cristalizados.
As proposições “caricatas” que versam o artista como um ser divino, são meras divagações de um alguém que se encontra sob o poder de uma mensagem ou ilusão. A significação de um símbolo para um povo, não implica que esta seja idêntica a outro.
É inegável a genialidade de tantos homens artistas. – Não se mencione nenhum nome aqui, para não incorrer em faltas, o que, também daria margens a um estado enciclopedista (muito mal vindo) para este pequeno ensaio.
Não há nada mais irritante para os ouvidos de um artista, do que aquele que se fala rendido à arte e incapacitado para a práxis. Isto soa a uma mistura de ingredientes insípidos: o medo da entrega e a conformação passiva desgastante pelo “não poder”, antes mesmo de algum princípio seja dado. – Não incorram aqui, a atribuírem características platônicas a tal tipo frívolo de gente, “incompetência” desejada é seu estado de latência.
Novamente ao artista: O artista é suor, age e reage de modo idiossincrático aos ciclos de tudo que o cerca. É igualmente, artesão - não se faça pouco do artesão – pois é isto também o artista, produz objetos inúteis à razão prática. As mensagens sob forma de objetos (ícones ou mesmo a falta destes) são sua incumbência.
A arte, por sua vez, é o resultado do trabalho do artista. Ela pode agregar ou desagregar emoções ou indivíduos.
Toda e qualquer manifestação que se incumba de estabelecer meios para uma comunicação (explicada ou o não), é, antes de tudo, uma busca pela singularidade. A arte nada tem haver com a ciência, pois ela é precisa em sendo imprecisa. Deixemos para a função da gaveta as especulações técnicas que estão vinculadas aos sensos de valores ponderáveis acerca das ferramentas artísticas.
Artista e Arte são vocábulos extremamente especulados e mal interpretados, seja para o bem ou mal. Mesmo porque, a arte nem sempre precisa recorrer às táticas maniqueístas, apesar de estas serem meras ferramentas.
Tarefa mais pertinente, talvez seja buscar através das designações daquilo que é “maneirista”, o ingrediente daquilo que não se presta, para o artista ou arte. Mas, alguns maneirismos táticos também têm suas respectivas funções. Uma delas, talvez a mais conhecida, em sendo desconhecida enquanto vocábulo é a função que ela cumpre de agregar maus observadores, colecionadores de “medidas” e não conteúdo, enfim, um recôndito verso rimado, almofadado, encortinado, emoldurado, decorado.
Também as outras infinitas possibilidades de conjecturas não são nada menos que falta de representatividade singular.
A destreza da arte reside muitas vezes, no aborto do coletivo, assim como o cimo da montanha é belo convite ao solitário pensador.

Alex Delsin 13 de Fevereiro de 2008

Em homenagem ao aniversário da querida Mestra e Pianista, baluarte da Cultura ribeirão-pretana, D. Orávia Alves Ferreira [1924-1994]


foto: D. Orávia ao piano, Casa da Cultura de Ribeirão Preto, Dezembro 1985

Nenhum comentário: